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Navegação interior possibilitada por barragens

NAVEGAÇÃO INTERIOR POSSIBILITADA POR BARRAGENS

Flavio Miguez de Mello | Maio, 2015

 

Cursos de água naturalmente  não  navegáveis  podem  ser  tornados  permanentemente  navegáveis pela execução de obras hidráulicas em seus leitos. Entre essas obras, o aumento de tirante de água propiciado pela criação de lagos artificiais formados por barragens permite a manutenção do transporte aquaviário de grandes cargas ao longo de todas as estações do ano. Entretanto, a transposição de embarcações nos locais das barragens implica na instalação de estruturas hidráulicas que costumam acarretar o equacionamento de problemas de interfaces com as demais estruturas hidráulicas da barragem e com os fluxos de água aduzidos e efluentes dessas estruturas. O correto equacionamento da implantação e da operação dessas estruturas envolvem interessantes desafios aos engenheiros. 

 

 

Considerando a economicidade do transporte de cargas por via fluvial, há séculos diques, canais e barragens vêm sendo largamente utilizados na implantação de sistemas de  avegação na Europa e na Ásia. Chineses navegam por rios com transposição de embarcações desde o Século VII. Há séculos era possível navegar por toda Inglaterra por rios e canais. A França nos dá o exemplo dos 241 km do canal de Midi executado no Século XVII. Presentemente sistemas de navegação interior permanecem em operação em várias grandes bacias hidrográficas cujas barragens têm como principal finalidade a manutenção das condições de navegação. Para tanto, são comuns sequências de barragens baixas providas de eclusas e de hidroelétricas de baixa queda. Assim são as numerosas barragens nas bacias dos rios Danúbio, Ródano, Reno e de várias outras. No rio Yangtze onde se situa a maior hidroelétrica do planeta, bem como nos seus afluentes, há diversas barragens providas de hidroelétricas e com finalidade de navegação, inclusive Três Gargantas que tem eclusas que vencem o desnível de 113m. 

 

 

O nosso país se caracteriza por histórica aplicação de recursos uni-direcionados. Assim, barragens que no passado foram implantadas para defesa contra inundações raramente visavam outro objetivo. Da mesma forma, obras contra as secas eram quase sempre com objetivo único.  A maioria das hidroelétricas eram projetadas  e  operadas  para  maximizar  a geração  econômica  de  energia  elétrica.  As barragens para abastecimento de água eram concebidas com apenas esse objetivo.

 

 

No passado, portanto, raramente se verificou o uso múltiplo das obras hidráulicas fluviais. A navegação interior, por exemplo, foi implantada, com esforço, pelo estado de São Paulo como objetivo secundário das obras hidroelétricas nos cursos médio e inferior do rio Tietê e no rio Paraná.  A  barragem  de  Três  Marias,  construída  no  rio  São  Francisco  nos  anos  cinquenta  do  século  passado,  teve  como  uma  das  principais  finalidades  garantir  a  navegação  de  extenso trecho de rio a jusante, pela regularização de vazões associada a derrocamentos na calha do rio. A navegação no rio São Francisco foi posteriormente estendida mais para jusante após a construção da eclusa na hidroelétrica de Sobradinho. O transporte pela região dos rios Tocantins e Araguaia foi inicialmente idealizado por via fluvial. Na primeira hidroelétrica construída no rio Tocantins, Tucuruí, foram implantadas duas grandes eclusas em sequência. Com grande importância histórica, o acesso à Bolívia a partir de Porto Velho, está sendo novamente implementado, desta vez por eclusas instaladas nas hidroelétricas de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira. Esse acesso havia sido garantido em 1903 pelo Tratado de Petrópolis que implicou na impactante construção da ferrovia Madeira Mamoré cujo tráfego foi descontinuado há décadas. São, portanto, parcas exceções.  

 

 

No  Brasil,  no  que  se  refere  à  navegação  interior,  a  menos  das  grandes  extensões  de  cursos  d’água naturalmente navegáveis cuja maioria se concentra no rio Amazonas, seus formadores e  nos  trechos  inferiores  dos  seus  tributários,  trechos  estes  que  foram  beneficiados  pela  iniciativa  pioneira  do  Barão  de  Mauá  no  Século  XIX,  a  esmagadora  maioria  dos  demais  rios necessita de expressivas obras hidráulicas para garantir a perenidade do transporte aquaviário por grandes embarcações.

 

 

Com  o  objetivo  de  evitar  o  ocorrido  no  passado  e  maximizar  o  uso  múltiplo  de  recursos  naturais, foi sancionada no dia 01 de janeiro de 2015, a Lei Nº 13.081 que passou a reger o aproveitamento de hidroelétricas acopladas a sistemas de transposição de embarcações. Em seu Artigo 1º lê-se: “A  construção de  barragens para geração de energia elétrica em vias navegáveis ou potencialmente navegáveis deverá ocorrer de forma concomitante com a construção total ou  parcial, de eclusas  ou  de  outros  dispositivos  de  transposição  de  níveis previstos em regulamentação estabelecida pelo Poder Executivo do ente da Federação detentor do domínio do corpo de água.”

 

 

No parágrafo 1º desse  artigo lê-se: “Não se aplica o caput aos potenciais hidráulicos cujo aproveitamento hidrelétrico seja igual ou inferior a 50  MW e às barragens  existentes,  às em construção ou às já licitadas por ocasião da publicação desta Lei.

 

 

Pelos textos acima fica claro o desconhecimento do legislador. Embora a maioria esmagadora de nossas grandes barragens não seja para produção de energia elétrica, o texto da Lei visa exclusivamente as grandes hidroelétricas. É obvio que uma hidroelétrica com 50 MW instalados pode  ser  localizada  em  trecho  de  rio  navegável  ou  potencialmente navegável. É evidente que  barragens  para  abastecimento  de  água,  irrigação,  regularização,  recreação, paisagismo,  controle  de  cunha  salina  em  estuários,  proteção  portuária,  etc, podem  também  ser situadas em trechos navegáveis.

 

 

Por  outro  lado,  pela  ação  de  entidade  ligada  a  produtores  de  energia  elétrica,  a  Lei contém  aspectos positivos cujos principais são a seguir relacionados:

 

  1. “Os custos de licenciamento ambiental e de implantação serão responsabilidade do Ministério dos Transportes;”
  2. “O planejamento, licenciamento e implantação deverão ser promovidos de forma a não prejudicar o cronograma, os custos e os processos para implantação da usina hidroelétrica;”
  3. “Haverá  separação  e  independência  dos  aproveitamentos  dos  recursos  hídricos:  custos,  tarifas,  estudos,  projetos,  licenciamento,  construção,  operação, manutenção e administração;”
  4. “Os  custos  dos  serviços  de  operação  e  manutenção  não  poderão  ser  subsidiados  pelos preços da energia elétrica.” 

 

 

Apesar de todo cuidado na redação da Lei, há preocupações com as interfaces que surgirão em empreendimentos hidroelétricos que terão estruturas de transposição de embarcações. Historicamente há  experiências  opostas.  No caso da  hidrovia  Tietê-Paraná  em  que  o empreendedor era um só,  o  Estado de São  Paulo,  as  construções  foram  conduzidas com eficiência. A experiência oposta é o caso da hidrovia Tocantins-Araguaia. 

 

 

O projeto de Tucuruí previa duas eclusas em sequência para vencer os 75m de desnível médio em câmaras de 210m por 33m, espaçadas entre si de 5,5 km. A obra foi iniciada em 1981 ao abrigo de contrato entre a Eletronorte e a Camargo Corrêa, com interveniência da Portobras. A obra era lentamente executada quando, em 1987, a Portobras foi extinta no governo Collor de Mello. Em 1998 o Ministério dos Transportes assumiu a condição de contratante com a mesma construtora anterior.  De 2002 a 2004, as obras civis estiveram paralisadas em função da inexistência de recursos financeiros no Ministério dos Transportes causada pela suspensão do fluxo de caixa por ordem do Tribunal de Contas da União. Em 2003 o Ministério dos Transportes determinou a suspensão de todos os contratos administrados pelo DNIT. Em 2004 as obras foram retomadas, mas novamente paralisadas em outubro de 2005, em consequência da não liberação de recursos previstos no Orçamento Geral da União de 2005. Só em novembro de 2010 o sistema de eclusas foi inaugurado. A construção das eclusas  durou incríveis 29 anos!

 

 

Assim, uma obra hidráulica de grande porte com interdependências de ações e de suprimentos, com dois empreendedores,  dois  operadores,  recursos  provenientes  de  fontes diferentes com fluxos de caixa de confiabilidades distintas, pode apresentar grau de risco não desprezível.

 

 

A bacia hidrográfica do rio Tapajós se reveste de grande importância tanto para a navegação interior  presentemente  incipiente  e  de  baixo  valor  econômico,  quanto  para  a  geração  de  energia  elétrica  nos  seus  diversos  aproveitamentos  identificados  nos  estudos  de  inventário hidroenergético recentemente concluídos dos quais sobressai o aproveitamento hidroelétrico de São Luiz do Tapajós com 8040 MW a serem instalados em duas casas de força. Espera-se que a implantação simultânea das hidroelétricas e da extensa hidrovia seja, em futuro próximo, responsável pelo escoamento  de  expressiva  produção  agrícola  de  vasta  área  do território centro-norte do país. A implantação simultânea dessas grandes usinas hidroelétricas e das obras de transposição de embarcações será importante teste para o desenvolvimento de modelo de empreendimentos hidráulicos com otimização de seus usos múltiplos.  

EDITORIAIS

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