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A legislação de segurança de barragens: Um breve histórico e desafios
A LEGISLAÇÃO DE SEGURANÇA DE BARRAGENS:
UM BREVE HISTÓRICO E DESAFIOS
A regulamentação de segurança de barragens, conforme estabelecido na Lei No. 12.334/2010 - Política Nacional de Segurança de Barragens e resoluções complementares, emanadas do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), tem por finalidade, estabelecer diretrizes para que sejam garantidos os meios necessários a sua segurança e de suas estruturas hidráulicas complementares e, paralelamente, contribuir para a consecução de esforços no sentido de capacitar profissionais para a tarefa de implementação da lei e monitoramento dos resultados almejados. Além disso, as informações sobre os instrumentos de prevenção contra incidentes e acidentes decorrentes de problemas técnicos, administrativos e operacionais inerentes às barragens, devem ser organizadas e disponibilizadas para a comunidade técnica e população em geral, com base no princípio do diálogo e transparência.
Atualmente, o CBDB tem contribuído com a Agencia Nacional de Águas (ANA), na realização de análise e colaboração na elaboração dos documentos, submetidos em audiência pública, conforme determina o Art. 15 da Lei No. 12.334/2010, no que diz respeito ao apoio de associações técnicas. Os documentos são: Guias para Elaboração de Projetos de Barragens, Guia para Construção de Barragens e Guia para Elaboração de Planos de Operação, Manutenção e Instrumentação. Essa colaboração deve se estender para outros documentos, a exemplo do Guia de Inspeções, Revisão Periódica e Guia para a Elaboração de Planos de Ação de Emergência.
Cabe ressaltar que, apesar dos esforços do CBDB em busca da regulamentação, conforme se atesta no resgate da leitura dos seguintes documentos: Diretrizes Para a Inspeção e Avaliação de Segurança de Barragens em Operação (1983), Segurança de barragens: Recomendações para a Formulação e Verificação de Critérios e Procedimentos (1986) e Guia Básico de Segurança de Barragens (2001), somente com mais de 30 anos de atraso, vimos a promulgação da lei brasileira sobre segurança de barragens se concretizar em 2010. Trata-se de um documento relevante, um marco legal e um grande desafio, para o qual estamos todos envolvidos e focados para a sua consecução.
A título de informação, nos Estados Unidos, o Congresso Americano promulgou o The Dam Inspection Act de 1972, autorizando a elaboração de um programa nacional de inspeção de barragens. Num primeiro momento o U.S. Corps of Engineers constatou que 18% das 49.300 barragens inventariadas, nunca tinham sido inspecionadas e que cerca de 20.000 estavam localizadas em áreas onde, em caso de ruptura, poderiam provocar perdas de vidas, danos a propriedades, edificações, etc. Dando continuidade aos trabalhos, o Bureau of Reclamation (BUREC), em Denver, Colorado desenvolveu os programas Safety Evaluation on Existing Dams (SEED) e Safety of Dams (SOD), ambos implementados em 1978 e reforçados através do Reclamation Safety of Dams Act of 1978. Em 1988, BUREC publicou um trabalho intitulado: Downstream Hazard Classification Guidelines, onde classifica o risco a jusante em caso de ruptura em termos de número de vidas ameaçadas e perdas econômicas. Em 1989 o BUREC, publicou o documento intitulado “Policy and Precedures for Dam Safety Modification Decision-Making”. Atualmente, as barragens são avaliadas sob o ponto de vista estrutural, hidráulico-hidrológico e sísmico. Uma importante conferencia foi realizada em Asilomar, Califórnia, em 1975 sobre o tema “Evaluation of Dam Safety” e o programa continuo de treinamento em segurança de barragens, promovido anualmente pelo BUREC. O U.S. Corps of Engineers (USACE) e o BUREC tem contribuído na elaboração dos guias e programas de capacitação, em cumprimento ao contrato celebrado entre Banco Mundial e ANA, sendo o USACE e a COBA, através Laboratório de Engenharia Civil de Lisboa (LNEC) os responsáveis pela elaboração dos documentos.
Na Inglaterra, 80% das barragens tem altura inferior a 15 m, com idade média de 90 anos, construídas com um núcleo de vedação denominado puddle-clay (devido a técnica de compactação da argila, com elevado teor de umidade através do amassamento) ou concrete cut-off; sendo que a maioria não dispõe de registros sobre sua construção. Devido ao desenvolvimento de vilas e cidades nas áreas de influência direta de jusante, o governo britânico vem implementando programas de avaliação da segurança dessas barragens, à luz do conhecimento técnico e ferramentas tecnológicas atuais, através de instituições, a exemplo do Building Research Establishment (BRE). Em 1990, o BRE publicou o documento: BRE CI/SfB 187, intitulado “An Engineering Guide to the Safety of Embankment Dams in The United Kingdom”. Desde 1930, a segurança das barragens tem sido regulamentada por Ato do Parlamento, em defesa dos interesses públicos através da garantia de sua inspeção por engenheiro especialista em barragens, membro de um grupo de engenheiros constituído para atender aos objetivos do Reservoirs (Safety Provisions) Act 1930. Este Ato do Parlamento foi reforçado através do Safety Dam Act, promulgado em 1970, ampliado através do The Reservoirs Act 1975 e, posteriormente pelo Statutory Instrument 1985, No. 1086. Mais de 2.000 barragens britânicas foram atingidas por essa legislação que, inclui barragens com volume acumulado, superior a 25.000 m3 e altura superior a 7,5 m.
Em Portugal, desde 1986, o Ministério da Obras Públicas, com a participação do Laboratório de Engenharia Civil de Lisboa (LNEC). Contudo, o primeiro regulamento português sobre, projeto e construção de barragens de terra, intitulado: Regulamento de Pequenas Barragens de Terra, foi oficializado através do Decreto-Lei No. 48.373/68, em 8 de maio de 1968. Em 1990, o governo português instituiu um novo Regulamento para Segurança de Barragens, na forma de anexo ao Decreto-Lei No. 11/90 de 06/01/90. Em 1993 foi publicado um novo Regulamento de Pequenas Barragens, anexo ao Decreto Lei No. 409/93.
Na Espanha, em 1992 foi publicada a Legislacion Espanola Sobre Seguridad de Presas, produzida pela Comision de Normas de Grandes Presas. Em 12 de março de 1996, por ordem ministerial, foi aprovado “El Regulamento Técnico sobre Seguridad y Emblases”, com ênfase para a classificação das barragens em função do risco potencial e com os seguintes objetivos: definir sobre quais barragens precisavam de um Plano de Emergência, definir os critérios de projeto, operação e inspeção ou Plano de Manutenção e Operação e estabelecer as prioridades de investimentos nos programas de segurança de barragens.
No Canadá, a Canadian Dam Association (CDA), publicou em janeiro de 1999 uma edição revisada do CDA - Dam Safety Guidlines, contendo recomendações para avaliação de segurança de barragens existentes, atentos a problemas de ordem construtiva e principalmente, no intuito de contribuir com a legislação e regulamentação sobre segurança de barragens.
Na Austrália, o Australian National Committee on Large Dams (ANCOLD) publicou uma revisão dos documentos intitulados: Guidlines on Dam Safety Management e, Guidlines on Risk Assessment, em 1994; com o objetivo de contribuir no planejamento, projeto, construção e operação de grandes barragens, e seus reservatórios. O Prof. Robin Fell, da University of New South Wales, Sidney, tem liderado as discussões sobre o tema, com destaque para o seu trabalho intitulado: O Estado Atual dos Métodos Utilizados na Avaliação Quantitativa de Risco, Através da Estimativa de Probabilidades de Rupturas de Barragens (Fell, 2000). A Nova Zelândia segue a mesma linha da Austrália. Ambas, acompanham os avanços dos britânicos.
São muitas as iniciativas e interesse pela discussão do tema, motivo pelo qual estamos todos engajados nessa tarefa, conforme os bons resultados alcançados em nossos eventos e outros, promovidos por organizações governamentais e privadas, a exemplo do Ministério de Integração Nacional (MI), ANA, ANNEL e DNPM, todos contribuindo para o sucesso da regulamentação, através da elaboração de documentos.
O Ministério da Integração Nacional publicou em 2002, o Manual de Segurança e Inspeção de Barragens, com o apoio do Proágua/Semi Árido, UNESCO e Banco Mundial; contendo normas de construção, operação e manutenção das barragens, assim como, os procedimentos necessários em casos de emergências. Um ponto de destaque do manual é sua preocupação com as consequências ao meio ambiente, com a destruição da fauna e flora, em caso de acidente e, principalmente, a necessidade de capacitação das equipes envolvidas com a operação e manutenção.
O Banco Mundial, em outubro de 2001, apresentou uma revisão do documento OP 4.37 - Safety of Dams, onde destaca a sua preocupação com os impactos ambientais, com ênfase para os aspectos sociais dos projetos financiados pelo banco, no sentido de que sejam identificados, evitados, minimizados, mitigados e monitorados pelo proprietário. Em outubro de 2002, o Banco Mundial publicou o livro Regulatory Frameworks for Dam Safety: A Comparative Study; contendo modelo de regulamento, operação, manutenção e inspeção de barragens. Neste documento, o significado de segurança de barragens engloba fatores que contribuem para a operação com segurança da estrutura e obras complementares, o risco potencial para a vida humana, aspectos sanitários e de saúde pública, danos a propriedades e proteção da área no entorno do reservatório. Segurança tem a ver com a operação adequada, manutenção, inspeção e planos de emergência para lidar com situações de risco ao meio ambiente, assim como definição das medidas mitigadoras dos impactos ambientais.
No ano de 2000, foi publicado pelo World Commission on Dams (WCD) um relatório que resultou em position paper do ICOLD. São muitas as críticas ao documento. Contudo, o WCD apontou para a necessidade do cumprimento dos seguintes princípios, como um novo enfoque para o planejamento e tomada de decisões sobre o projeto e consecução de barragens: equidade, eficiência, processo decisório-participativo, sustentabilidade e, responsabilidade. Esses princípios foram incorporados à Lei No. 12.334.
O melhor caminho para o sucesso da regulamentação, ora vigente, passa pela adoção desses princípios e no compromisso de que as ações serão formuladas com base no entendimento do conceito de segurança global que traduz cidadania, no momento em que passamos a entender o significado das seguintes aspectos relevantes: i) estruturais, no sentido de que se demonstre que barragem é capaz de suportar a todos os esforços aplicados, durante a vida útil e não induza sentimento de insegurança ou inquietação, para a população afetada, em caso de acidente, ii) operacionais, cujo entendimento extrapola ao funcionamento dos dispositivos hidromecanicos e, se traduz pela capacidade do empreendimento cumprir todas as funções para as quais foi projetada, de acordo com o que desejam os que a utilizam; iii) economicos e financeiros, relativos a, respectivamente: retorno do capital investido, durante a vida útil do empreendimento e existência assegurada de recursos necessários para a sua conclusão, levando em consideração eventuais problemas de natureza conjuntural; iv) relativos ao investimento social, referentes às compensações justas decorrentes de expectativas de alterações sociais promovidas pelo empreendimento e que corresponderiam ao atendimento das necessidades prioritárias da população afetada e v) ambientais, com base nas alterações impostas ao meio ambiente, os quais devem rigorosamente ocorrer dentro de valores permissíveis.
Do exposto, os diversos atores responsáveis por estruturas de barragens e seus reservatórios, são legalmente comprometidos com a qualidade e segurança desses empreendimentos. Esse tem sido o compromisso do CBDB, oportunidade em que registramos a constituição de uma nova comissão técnica, a CT12 - Usos Múltiplos. São muitos os nossos desafios e evidente a necessidade de estabelecermos parcerias com associação ou instituições engajadas no tema segurança de barragens, lembrando que a Lei No. 12.334/2010 reconhece a importância do fomento a cultura de segurança e o envolvimento de representações da sociedade, em todas as fase de discussão desses empreendimentos. O maior desafio será eliminar os entraves decorrentes de influencias nocivas, que não combinam com barragens; como por exemplo: burocracia, ingerência política, falta de recursos materiais e financeiros, deixar para depois, vaidades e falta de comunicação entre setores de ações complementares (operação, manutenção e segurança) e amadorismo.
A lei, de forma precisa e oportuna, reconhece a importância do envolvimento das ações de segurança, em todas as fases, ou seja, desde a concepção até a operação e eventual discomissionamento da estrutura. Temos uma lei arrojada e precisamos garantir a sua implementação e que os resultados sejam alcançados. O cenário hoje é de otimismo e de esforço uníssono para esse feito.
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