Home / Holofotes
Uma reflexão sobre os desafios da matriz elétrica brasileira
Por: Marisete Fatima Dadald PEREIRA
O Brasil ocupa uma posição singular no cenário energético global, reconhecido por sua matriz energética em grande parte limpa e renovável. A matriz energética representa todas as fontes de energia disponíveis e utilizadas em um país, abrangendo tanto a geração de eletricidade quanto outras formas de uso energético. Essa matriz, que inclui fontes de energia utilizadas para atender demandas diversificadas como indústria, transporte, residências, dentre outros, contrasta com a realidade global. De acordo com o Balanço Energético Nacional (BEN) 2024, a participação de fontes renováveis na matriz energética brasileira atingiu 49,1% em 2023. Em contraste, a matriz energética mundial é predominantemente composta por fontes não renováveis. Embora números precisos para 2023 não estejam prontamente disponíveis, dados históricos indicam que as fontes renováveis representaram aproximadamente 15% da matriz energética global em 2021.
Quando se fala em matriz elétrica, parte da matriz energética que se restringe às fontes usadas para gerar eletricidade, o Brasil se destaca ainda mais. Em 2023, cerca de 90% da energia elétrica gerada no país veio de fontes renováveis: hidrelétricas, eólicas, solares e biomassa. Essa é uma realidade amplamente favorecida pela extensão territorial, diversidade de recursos naturais e o amplo potencial hídrico do país, que abriga 12% da água doce do planeta.
Assim, uma das maiores riquezas que o Brasil possui é sua matriz de energia elétrica limpa e renovável. Nosso país é um grande protagonista na transição energética e devemos manter essa posição com sustentabilidade para toda a população. Para isso, é essencial observar que tecnologias já maduras e competitivas no setor não mais necessitam de subsídios e que a manutenção desses incentivos pressiona de forma crescente a conta de luz e não contribui para inclusão e justiça social. As políticas públicas e o planejamento devem buscar constantemente o equilíbrio entre atributos e custo real das fontes.
O Papel das Hidrelétricas na Matriz Brasileira
Historicamente, as hidrelétricas têm sido a espinha dorsal da matriz elétrica brasileira. Em 2023, elas responderam por 66% da energia gerada no país, segundo dados do Operador Nacional do sistema Elétrico – ONS, contribuindo não apenas para a produção de eletricidade e confiabilidade do sistema elétrico, mas também para a regulação dos recursos hídricos e seus usos múltiplos. Cerca de 90% da reservação de água no Brasil é provida pelos reservatórios de nossas usinas hidrelétricas, segundo aponta a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Ao longo das décadas, as hidrelétricas não só sustentaram o crescimento econômico e o desenvolvimento de diversos setores, mas também foram cruciais para mitigar os impactos de crises energéticas e climáticas.
Hoje, ainda que o papel das hidrelétricas venha sofrendo transformações diante da integração de novas fontes renováveis na matriz, elas permanecem imprescindíveis para a manutenção da segurança energética e confiabilidade do sistema elétrico. É importante ressaltar que, apesar de não serem adequadamente remuneradas por todos os serviços prestados — como o fornecimento de potência, a flexibilidade operativa e os serviços ancilares —, essas usinas são a base para uma transição energética justa e sustentável no país.
As hidrelétricas também enfrentam desafios que impactam sua competitividade. Encargos específicos, como a Compensação Financeira pela Utilização dos Recursos Hídricos (CFURH) e o pagamento do Uso do Bem Público (UBP), que incidem exclusivamente sobre essas usinas, elevam o custo da energia gerada. Mais relevante ainda, os generosos e aparentemente infindáveis subsídios destinados a produtores e consumidores das fontes eólica e solar, distorcem significativamente o mercado em desfavor das hidrelétricas e em favor de fontes com maior emissões de gases de efeito estufa - GEE ou intermitentes. Rever os subsídios é essencial para corrigir essas distorções e valorizar a contribuição singular das hidrelétricas ao sistema.
Ademais, as usinas hidrelétricas fornecem a confiabilidade necessária para integrar fontes intermitentes, como eólica e solar, ao Sistema Interligado Nacional (SIN). Elas garantem energia, potência e flexibilidade operativa, especialmente quando essas outras fontes não podem gerar e reduzem a dependência de usinas térmicas mais caras e com maior emissão de GEE. Políticas que remunerem adequadamente as usinas existentes e incentivem a construção de novas hidrelétricas com reservatórios são fundamentais para a segurança energética e a descarbonização.
Oportunidades e Desafios da Transição Energética
O Brasil precisa enfrentar a transição energética com um olhar estratégico. Essa transição não deve ter como objetivo apenas a diversificação da matriz com acréscimo de novas tecnologias renováveis, mas também garantir uma integração eficiente e acessível das novas fontes renováveis em atenção a quem paga a conta.
Uma das soluções promissoras é o investimento em usinas de bombeamento de armazenamento, também chamadas de usinas hidrelétricas reversíveis, que são “baterias naturais”. Elas permitem o armazenamento de energia, bombeando água para reservatórios superiores em momentos de baixa demanda e liberando-a durante picos de consumo. Apesar de sua maturidade tecnológica em países como China, Japão e Estados Unidos, essa tecnologia ainda é praticamente inexistente no Brasil, representando uma oportunidade latente.
Outro desafio é a necessidade de superarmos as barreiras regulatórias com instituição de mecanismos de remuneração que viabilizem a ampliação, modernização e repotenciação do nosso estratégico parque hidrelétrico existente em benefício da modicidade de custos aos consumidores, da sustentabilidade e fortalecimento da matriz elétrica nacional. Com um potencial de acréscimo de 11 GW de capacidade instalada em 56 usinas por meio de modernização e repotenciação e de acréscimo de pelo menos 7,5 GW de capacidade instalada em 14 usinas por meio de ampliação com novas máquinas, as hidrelétricas brasileiras são essenciais para aumentarmos a segurança energética do país.
De acordo com a International Renewable Energy Agency (IRENA), dobrar a capacidade instalada de energia hidrelétrica no mundo até 2050 é essencial para limitar o aquecimento global a 1,5ºC. O Brasil, com seu vasto potencial hídrico, tem a oportunidade de liderar esse movimento, promovendo mais hidrelétricas e assegurando remuneração adequada por sua relevância no sistema. Essa é uma estratégia que alia segurança energética, transição ecológica justa e redução dos custos para o consumidor final.
Uma Visão de Futuro
Para que a transição energética seja justa e sustentável, é necessário investir em soluções que aliem tecnologia, sustentabilidade e inclusão social. Ao mesmo tempo, é indispensável promover a educação e a conscientização sobre o uso eficiente da energia, incentivando a participação ativa da sociedade na construção de um futuro mais limpo e equilibrado.
A matriz elétrica brasileira é um exemplo de liderança global em sustentabilidade. Contudo, para manter esse protagonismo, é essencial enfrentar os desafios impostos pelo crescimento da demanda, pelas mudanças climáticas e pela necessidade de inovar. Com planejamento, investimento e compromisso, o Brasil tem o potencial de se tornar um modelo de transição energética justa para o mundo.
Marisete Fátima Dadald Pereira é formada em Ciências Contábeis e Econômicas pela Universidade Vale do Rio dos Sinos – São Leopoldo/RS, pós graduada em Ciências Contábeis pela Universidade do Vale do Itajaí, pós graduada em Auditoria e em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Santa Cantarina, pós graduada MBA para Executivos pela Universidade do Estado de Santa Catariana.
Marisete tem mais de 35 anos de experiência no setor elétrico Brasileiro, tendo atuado como gerente do departamento Econômico-Financeiro da Eletrosul Centrais Elétricas por 18 anos. De agosto 2005 a junho de 2022, atuou no Ministério de Minas e Energia, tendo exercido os cargos de Assessora Especial do Ministro de Minas e Energia, Chefe da Assessoria Especial de Assuntos Econômicos, Secretária- Executiva do Ministério de Minas e Energia, e atualmente Diretora-Presidente da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica – ABRAGE desde de novembro de 2023.
Foi membro do Conselho de Administração da Eletrobras - Eletronorte, do Conselho Fiscal da Eletrobras - Furnas e membro do Conselho Fiscal da Petrobrás. Atualmente, é membro do Conselho de Administração da Energia Sustentável do Brasil - ESBR Jirau desde julho de 2020, membro do Conselho de Administração da Centrais Elétricas Brasileiras S.A. – Eletrobras desde agosto de 2022, e membro do Conselho de Administração da Empresa Metropolitana de Águas e Energia S.A – EMAE desde de abril de 2023.
EM DESTAQUE
EDITORIAIS
Observações sobre documento do Greenpeace
Reservatórios de usos múltiplos
Navegação interior possibilitada por barragens
A legislação de segurança de barragens: Um breve histórico e desafios
Ação de esclarecimento do CBDB junto à imprensa - Quem é o COMITÊ BRASILEIRO DE BARRAGENS – CBDB
Usinas Hidrelétricas Reversíveis
RESERVATÓRIOS. Sua importância na redução Da emissão dos gases efeito estufa - GEE
Editorial - RBE - Nº08
Editorial - RBE - Nº09
Editorial - RBE - Nº10
Editorial - RBE - Nº11
Editorial - RBE - Nº12
Editorial - RBE - Nº13
Editorial - RBE - Nº14
Editorial - RBE - Nº15
Editorial - RBE - Nº16
Editorial - RBE - Nº17
HOLOFOTES
ICMS na produção de energia por hidrelétricas
Atualização dos Inventários Hidroenergéticos dos rios brasileiros
Reservatórios e Segurança Hídrica: As deficiências infraestuturas brasileiras são substanciais
Projetos estruturas para a infraestrutura brasileira
Horizonte e perspectivas do controle de cheias no Brasil
Mariana e Brumadinho: Defesa Civil somos todos nós!
Armazenar mais água: obrigação inescapável do Brasil
A Crise Hídrica de 2021
Transição e “descarbonização” energética no século XXI: A terceira revolução industrial
Tendências, perspectivas e desafios na gestão de barragens e rejeitos de mineração
Exemplos de benefícios socioambientais propiciados por barragens
A Defesa Civil no Brasil e os Grandes Desafios do Século XXI
A transição energética e as mudanças climáticas: A necessidade de discutir e sedimentar conhecimento
Uma reflexão sobre os desafios da matriz elétrica brasileira
NOTÍCIAS
22 DE MARÇO - DIA MUNDIAL DA ÁGUA
DAM WORLD 2025 Conference - Updates
THE DAMS - Newsletter Icold Edition #23 - 2025