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A Crise Hídrica de 2021
Por José Marcos Donadon | Engenheiro Civil – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo/1978 – CAIXA Econômica Federal
Para iniciar, uma breve cronologia dos principais apagões no Brasil no século XXI:
* Crise do Apagão, ocorrida entre 2001 e 2002
O principal motivo foi a ausência de investimento e planejamento na geração e distribuição de energia, somado com a escassez de chuvas. Foi criado então o “Ministério do Apagão”, cuja principal medida foi um racionamento voluntário nas Regiões Sudeste, Noroeste e Centro-Oeste. O órgão premiava com descontos quem gastasse pouco e punia com tarifas mais altas, e até corte, quem gastasse muito. Findou em fevereiro de 2002.
* Apagão de 2009, em 10 de novembro de 2009
Um blecaute deixou 18 estados brasileiros e parte do Paraguai sem energia elétrica entre três e sete horas. O motivo foi um curto-circuito na SE de Itaberá, que derrubou todas as 20 unidades
geradoras de 700 MW de Itaipu, provocando o efeito cascata em outras usinas hidroelétricas.
* Crise de 2014
Naquele ano, o nível dos principais reservatórios do País ficou nos patamares mais baixos em mais de dez anos. A estiagem somou-se a outros fatores, como o atraso em obras no setor elétrico e uma medida publicada em 2012, que reduziu as tarifas artificialmente. O consumo disparou e o SIN teve que despachar massivamente as térmicas, elevando a inflação acima dos níveis de 2002.
* Apagão do Amapá, em 3 de novembro de 2020
Na referida data, um apagão atingiu 13 dos 16 municípios do Amapá e deixou 90% da população sem ou com energia limitada. Foram 22 dias de problemas de distribuição. Houve falha num transformador que aguardava manutenção havia 11 meses e
provocou o incêndio de outros dois. E, naquele ano, até junho houve mais cinco apagões no Amapá.
* A Crise Hídrica de 2021
Quando este texto foi redigido, em julho de 2021, estava sendo divulgado pela mídia que havia 91 anos que não se via tão pouca água nos reservatórios do País, e que especialistas temiam nova “Crise do Apagão”, como a de 2001. Há 91 anos começou a ser registrada a Série Histórica. Ou seja, isso foi em 1930, quando quase não havia reservatórios. Começo por aí a questionar essa afirmação da “maior seca da história”. Em uma simulação para cálculo da energia firme de um sistema hidroelétrico, o período crítico é o maior intervalo de tempo em que o sistema passa da situação de máximo a mínimo armazenamento, sem reenchimentos intermediários. Em outras palavras: a situação de máximo é menor a cada ano.
O período crítico atualmente utilizado no setor elétrico, no processo de cálculo dos certificados de garantia física de usinas hidroelétricas, pela EPE, compreende o horizonte de junho de 1949 a novembro de 1956. Não encontrei qualquer bibliografia ou trabalho acadêmico/científico que prove que a atual estiagem é pior do que aquela dos sete anos consecutivos. Até porque não faz sete anos, ou seja, desde 2013/2014 que a situação de máximo é menor a cada ano! Mas admitamos que estamos numa estiagem muito severa. Porém, até que se prove o contrário, não a maior de todas. Voltando a julho de 2021, o volume útil (ou energia armazenada) dos reservatórios (EAR), segundo o ONS, era: Sudeste/CentroOeste – 27,79% (70% do nosso parque hidroelétrico); Sul – 60,55%; Nordeste – 57,49% e Norte – 81,87%.
Hidroelétricas sem reservatórios ou a fio d’água
A crise hídrica atual poderia estar muito minimizada se todas as UHEs existentes tivessem sido construídas com reservatórios de acumulação ou plurianuais, aliás, como eram nos seus projetos originais, que foram mutilados. Se somarmos a área de todos os reservatórios do País, incluindo a calha dos rios antes das hidroelétricas, e dividirmos pela área do Brasil, teremos 0,42%. É como se tirássemos um quarteirão de 238 quarteirões de uma cidade. Ventos alísios entram pelo Nordeste e se carregam de umidade ao atravessar a Floresta Amazônica. Conduzidos pelos Andes, descem e precipitam no Sudeste e Centro-Oeste. Ocorre que o desmatamento está secando o Rio Voador, de modo que as vazões dos rios dessas regiões estão diminuindo. Esse fato está, sem dúvida, trabalhando para agravar a atual crise hídrica. Finalizando, temos assistido, constrangidos, os leilões de energia dos últimos anos, onde não existem UHEs, apenas PCHs e CGHs que não totalizam 1% da energia vendida. Somos o 2º país do mundo em potencial hidroelétrico (China 600 GW, Brasil 260, com apenas 46% aproveitados). Gerações futuras vão pagar e nos responsabilizar por: 1) construção de UHEs sem reservatórios; 2) desmatamento da Amazônia, e 3) o mais absoluto desprezo da energia mais limpa, de porte, renovável e barata dentre todas as fontes existentes. Em julho de 2021, “oficialmente” se garantia que não haveria racionamento, mas, na realidade, pairavam dúvidas sobre conseguir chegar ao final do ano com energia e água suficientes.
JOSÉ MARCOS DONADON
Engenheiro Civil formado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (1978). Trabalhou durante 42 anos na construção das hidroelétricas
de Itaipu, Porto Primavera, Salto Caxias, Passo São João e Belo Monte. É concursado desde 2010 e trabalha na área de Engenharia da Caixa
Econômica Federal. Filiou-se ao CBDB em 1989 e tem 40 trabalhos publicados em Seminários Nacionais de Grandes Barragens.
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