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Horizonte e perspectivas do controle de cheias no Brasil
Dr. Carlos E. M. Tucci - Diretor da Rhama Consultoria Ambiental e Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS.
Existem dois tipos de inundações que ocorrem isoladamente ou combinadas numa mesma área urbana1. As inundações ribeirinhas ocorrem por extravasamento natural da calha menor do rio em períodos de umidade e o impacto é decorrência da ocupação de área de risco pela população. Isto ocorre em bacias > 300 km2. As inundações na drenagem urbana são devido à urbanização e ocorrem em pequenas bacias urbanas de alguns km2. A urbanização (impermeabilização do solo, canais e condutos) aumenta a vazão média de cheia em até 700% se comparada com uma bacia rural.
Infelizmente, estes problemas não têm uma estratégia de gestão adequada no País porque os investimentos são pulverizados pelos ministérios, estados e municípios, sem um entendimento integrado do problema. Usualmente são priorizadas medidas estruturais (obras) que dificilmente serão recuperadas pelos benefícios - até porque este tipo de análise dificilmente é realizada. Uma medida estrutural para controle de inundações ribeirinhas geralmente está na magnitude de R$ bilhões, o que não é sustentável economicamente, considerando o universo nacional. Além disso, não costumam trazer benefícios maiores que os custos. Uma família que deixa de ocupar a área de inundações reduziria o custo futuro de reassentamento da ordem de US$ 15 a 20 mil. O zoneamento de inundação com infraestrutura urbana permite preservar áreas de riscos e reduzir os impactos futuros. Na década de 60, os Estados Unidos previram que as medidas estruturais não eram sustentáveis e desenvolveram um programa de zoneamento e seguros de inundações.
Nas inundações na drenagem urbana, o investimento no Brasil ainda está em construção de condutos e canais (apesar dos manuais do Ministério das Cidades). O custo é da ordem de US$ 7 milhões/km2 de bacia, enquanto que com o uso de amortecimento, fica na ordem de US$ 1 milhão/km2 (medidas na fonte, o custo é ainda metade do anterior). Certamente, você receberá a seguinte resposta de um engenheiro: “Não tem espaço para amortecimento, mas para controle da cheia de 10 anos (tempo de retorno economicamente ideal, pois apresenta a melhor relação benefício/custo) é necessário a ordem de 1% da área da bacia”. Portanto, mesmo nas bacias mais densas, é possível usar amortecimento quando realmente existe interesse. Este tipo de alternativa pode permitir uma solução integrada com outros serviços urbanos e introduzir elementos de arquitetura verde na cidade.
Para que haja sustentabilidade é necessário que existam instituições para prestar os serviços de manutenção dos sistemas construídos depois das obras. No Brasil, apesar da legislação de saneamento de 2007, que previa drenagem urbana como um serviço, apenas duas cidades tinham prestador de serviço (Porto Alegre/RS e Santo André/SP). Infelizmente, o serviço de Porto Alegre foi fechado no ano passado depois de 40 anos de operação. Sendo assim, mesmo que tenham recursos, os mesmos podem ser desperdiçados por falta de gestão e manutenção.
Recentemente fizemos um Plano Estratégico para Taquara, no Rio Grande do Sul, onde preparamos o Zoneamento de Inundação (medida não-estrutural para as áreas ribeirinhas e inserido no Plano Diretor Urbano do município para que a cidade tenha os instrumentos de controle sobre esta área de risco). Elaboramos ainda a regulação da drenagem urbana para evitar que as novas construções aumentem a vazão para a rede pública e controle o impacto da sua futura expansão (as cidades de Porto Alegre, 2000; Brasília, 2011 e Teresina, 2015 já possuem). Criamos o termo de referência para as medidas estruturais na drenagem urbana para as três macrobacias do município com ênfase no amortecimento. Então, propusemos prestar serviço de drenagem urbana, com recuperação (estimado em R$ 0,65/m2 de área impermeável por ano).
Esta foi a estratégia para uma cidade, mas o País necessita desenvolver uma proposta nacional para encaminhar de forma racional os investimentos em prevenção e adaptação - e não apenas em mitigação depois da ocorrência dos problemas. Quando visto isoladamente, a gestão é construir obras, como diques e barragens para diminuir o risco. Mas, essas são obras insustentáveis economicamente, como identificaram os EUA nos anos 60. A gestão integrada envolve definir uma estratégia nacional, regional e local de prevenção e mitigação com investimento ao longo do tempo.
1 O texto tem viés de abordar as inundações urbanas.
Carlos Eduardo Morelli Tucci é engenheiro civil, PhD Colorado State University, 1978, professor titular (aposentado) IPH-UFRGS, diretor da Rhama Consultoria e consultor de empresas nacionais como Itaipu e Fundação Renova, e internacionais como Banco Mundial, BID e CAF. Publicou mais de 500 artigos em revistas, eventos, capítulos de livros e livros e recebeu o Prêmio ABRH de 2005 e International Hydrology Prize da IAHS, UNESCO E OMM.
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